quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Um homem de negócios + ou - desinteressado pelo dinheiro

Sou a quarta geração de uma família de comerciantes com sucesso da classe média. Desde os treze anos que o meu pai me obrigou a ir para o escritório (quando eu queria era ir brincar) para aprender o ofício de escriturário. Aos catorze era obrigado, ao sábado à noite, a passar o tempo que fosse preciso a fazer a conta às notas de encomenda que ele trazia duma semana de trabalho na estrada. Amaldiçoava-o pelo tal, porque não podia sair e ir ter com os meus amigos, quando o podia fazer no domingo. Mas ele era inflexivel e não queria saber disso para nada: estava mais interessado em saber imediatamente quanto tinha ganho nessa semana. Instintivamente se começou a instalar no meu subconsciente uma aversão agressiva a tanta ganância e desprezo pelo conforto da minha pessoa.
Com quinze anos deixei de estudar de dia e comecei a trabalhar no conjunto de armazens do meu pai para ganhar dinheiro para comprar livros, enquanto continuava a estudar à noite. Como era filho do patrão a minha liberdade de manobra era satisfatória, mas isso não impedia que o trabalho não tivesse que ser feito à mesma. O meu pai acabou por ser atraiçoado e roubado pelos sócios e aos dezasseis anos, farto de aturar os designios ambiciosos da minha mãe de fazer de mim aquilo que ela queria que eu fosse, fugi de casa e andei meses a vaguear pelo país. A intenção era ir para Marrocos, mas a política repressiva do fascismo nessa época impediu esse objectivo.
Quando fui obrigado a ir para a tropa a minha especialidade era escriturário, e era o melhor da turma. Também era o melhor atirador do meu pelotão. No fim da recruta o sargento-instructor queria que ficasse com ele, como ajudante e eventualmente sucessor, mas era tão agressivo e ruim que metia medo às cobras: tive de inventar uma desculpa esfarrapada para fugir para longe dele. Parecia o diabo. Como era o melhor pude escolher para onde queria ir, e escolhi Coimbra: o convento de Santa Clara.
No convento, o Major chefe do grupo onde ia trabalhar, apercebeu-se imediatamente das minhas qualidades e pôs-me a fazer serviços para o Alto-comando, como gráficos da inspecção de mancebos com quinze metros de comprimento e cinco de altura, para impressionar as altas chefias do Estado-Maior. As festas eram tantas que andava continuamente "cromado". No fim, toda a equipa de oficiais estava fascinada com o meu desempenho, e tentaram convencer-me (de forma quase religiosa) a ficar com eles e trabalhar para o Estado. De certeza que teria um futuro risonho e promissor: dissuadi-os dizendo que, com as minhas convicções filosóficas, nunca poderia trabalhar para uma instituição vocacionada para o exercício da violência.e das armas. Compreenderam e bateram-me a pala.
Depois do serviço militar, e em plena recessão da revolução de Abril, andei um ano e tal ao alto, tanto tempo que me fartei da mandriagem e relutantemente alinhei com o meu pai na viagem. Pelo menos iria conhecer o país real. No entanto sabia que isso iria ser Sol de pouca dura. O carácter obsessivo pelo negócio do meu pai era extremo, e achava isso absurdo. Tão absurdo que no fim-de-semana nem cinco euros me dava para sair e tomar um copo com os amigos (quando os conseguia agarrar, tão tarde chegava) dizendo que já tinha comido e bebido bem toda a semana, portanto já tinha levado a minha parte. Era então a vez da minha mãe se mandar para a frente e dar-me algum dinheiro (sem ele saber) para eu continuar a alinhar na viagem. Três ou quatro meses depois desisti, farto de tanta hipocrisia, mentira e falsidade no mundo dos negócios.
Contudo, a experiência mais significativa que tive neste capítulo foi em Brazaville, no Congo, anos depois. Como cliente assíduo do mercado de arte fartei-me de regatear com os pretos as peças que queria comprar, e comprei muitas. Tantas, que deixei tudo o que ganhei com eles, e no fim vi-me lixado para sair de lá com elas, mas consegui.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A compra improvável do que é meu

Quando o computador deu o berro apercebi-me de um e-mail de uma editora a solicitar que entra-se em contacto com ela: uma editora literária. Pelos vistos alguém da agência da dita cuja aqui no Norte deu uma vista de olhos ao meu blogue e entrou nessa. Estavam interessados no meu material. Infelizmente logo a seguir perdi essas mensagens e fiquei na dúvida. Então resolvi tirar teimas e fui à net verificar a dita editora - lá estava ela. Dei uma vista de olhos por alto ao catálogo e resolvi envolver-me.
Enviei um e-mail e recebi a resposta de que ninguém na editora tinha entrado em contacto comigo, mas se tivesse algo a declarar podia fazê-lo. Era óbvio que o mirone não tinha sido da sede, mas da sucursal no Porto - não interessa.
Resolvi então enviar o meu texto, e um mês e tal depois (meteram-se entretanto as férias pelo meio) recebi a resposta: o texto tinha sido aprovado pela direcção e as condições de edição eram as seguintes: a editora comprometia-se a editar 500 exemplares, sendo que 200 eram por minha conta, ao preço de 11 euros por exemplar. Depois da respectiva destribuição pelas papelarias do país, receberia 20% pela venda de cada livro como direitos de autor.
Até aqui tudo bem. Mas quando me ponho a fazer contas de cabeça apercebo-me imediatamente que o negócio não interessa nem ao sr.abade. Vejamos: se sou obrigado a ficar com 200 exemplares à minha conta vou ter de pagar 2200 euros logo à partida, isto para não falar no trabalho suplementar de ter de os vender para recuperar o investimento, coisa que não estou interessado em fazer: vender livros.
Eu compro, não vendo livros.
Por outro lado, esse encaixe monetário pela editora vai fazer com que seja eu a financiar a edição à minha conta e não ela. Na prática, em vez de estar a vender o meu trabalho estou a comprá-lo, o que acho ridículo.
Mesmo que todos os livros fossem vendidos e eu recebesse a minha comissão dos restantes 300 isso daria quanto? A 2,20 euros cada um façam a conta. Uma ninharia.
"O mercado da arte em geral em Portugal é um pântano cheio de crocodilos. Se cais lá dentro és comido, e mesmo na margem não estás em segurança."
Vou continuar o jogo e vou pedir que me enviem o contrato. Receio ter ainda mais surpresas
dignas de nota, a nível de direitos de autor.
Que egocentrismo absurdo. Os gajos de Lisboa têm a mania que são espertos e o resto do país não passa de uma cambada de parolos. Ah-ah-ah.
Ri melhor quem ri no fim.
A verdade é que ainda não estou interessado em editar os meus trabalhos, e quando o fizer é à minha maneira: daqui a dez anos. No minímo três livros de uma vez.